Artigos Postado no dia: 13 dezembro, 2023

O Papel dos Tribunais nas Ações de Usucapião: Decisões Relevantes e Precedentes

Ações de Usucapião

A usucapião visa a regularizar situações de fato consolidadas ao longo do tempo, conferindo estabilidade e legitimidade a posses que, não estão vinculadas formalmente à propriedade. A usucapião, enquanto instituto jurídico, desempenha um papel fundamental na ordenação jurídica ao conferir aquisição originária da propriedade por meio da posse prolongada e mansa.

Nesse contexto, os tribunais assumem um papel crucial para assegurar a correta aplicação da legislação e a preservação da justiça e segurança jurídica no processo de usucapião. O tribunal, ao ser acionado em ações de usucapião, torna-se o guardião do equilíbrio entre o direito à propriedade e a necessidade de garantir a estabilidade nas relações sociais.

Cabe aos tribunais analisar minuciosamente as circunstâncias que envolvem cada caso de usucapião; tais quais a boa-fé do possuidor, o tempo ininterrupto de posse, a ausência de oposição do proprietário legítimo, bem como os demais requisitos previstos em lei.

Além disso, os tribunais têm a responsabilidade de ponderar os interesses em conflito, equilibrando o direito do possuidor de boa-fé com a necessidade de preservar a segurança jurídica e a propriedade legítima. Este delicado exercício de ponderação demanda uma análise cuidadosa das particularidades de cada caso, respeitando os princípios jurídicos e os valores que norteiam a legislação.

Nesse sentido, certas características da usucapião restaram consolidadas através da atuação direta do poder judiciário que, por exemplo, reconheceu a usucapião como forma originária de aquisição – afastando a incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ao julgar o Recurso Extraordinário nº 94.5806/RS.

IMPOSTO DE TRANSMISSAO DE IMÓVEIS. ALCANCE DAS REGRAS DOS ARTS. 23, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 35 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. USUCAPIAO. A OCUPAÇÃO QUALIFICADA E CONTINUADA QUE GERA O USUCAPIAO NÃO IMPORTA EM TRANSMISSAO DA PROPRIEDADE DO BEM. A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E VEDADA ‘ALTERAR A DEFINIÇÃO, O CONTEUDO E O ALCANCE DOS INSTITUTOS, CONCEITOS E FORMAS DE DIREITO PRIVADO’ (ART. 110 DO C.T.N.). REGISTRO DA SENTENÇA DE USUCAPIAO SEM PAGAMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSAO. RECURSO PROVIDO, DECLARANDO-SE INCONSTITUCIONAL A LETRA ‘H’, DO INC. I, DO ART. 1., DA LEI N. 5.384, DE27.12.66, DO ESTADO DE RIO GRANDE DO SUL. (RE 94580, Relator(a): DJACI FALCAO, Tribunal Pleno, julgado em 30-08- 1984, DJ 07-06-1985 PP-08890 EMENT VOL-01381-01 PP-00201)

 

É através da atuação judicial que se modifica o paradigma consolidado buscando novas formas de atribuir efetividade ao texto normativo. Por muito tempo o entendimento majoritário dos tribunais estaduais e também do STF era de que o contrato de promessa de compra e venda era imprestável como justo título para efeito de usucapião.

 

Contudo, o REsp 32.972/SP proporcionou uma verdadeira mudança de paradigma consolidando o entendimento de que o contrato de promessa de compra e venda devidamente quitado pelo promitente comprador é documento válido para fins de comprovação de justo título para fins de usucapião quando impossível a adjudicação compulsória.

DIREITO DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL OBJETO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO QUE ATENDE AO REQUISITO DE JUSTO TÍTULO E INDUZ A BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS AJUIZADAS PELO CREDOR EM FACE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE RESISTÊNCIA À POSSE DO AUTOR USUCAPIENTE. HIPOTECA CONSTITUÍDA PELO VENDEDOR EM GARANTIA DO FINANCIAMENTO DA OBRA. NÃO PREVALÊNCIA DIANTE DA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DA SÚMULA N. 308. 1. O instrumento de promessa de compra e venda insere-se na categoria de justo título apto a ensejar a declaração de usucapião ordinária. Tal entendimento agarra-se no valor que o próprio Tribunal – e, de resto, a legislação civil – está conferindo à promessa de compra e venda. Se a jurisprudência tem conferido ao promitente comprador o direito à adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro (Súmula n. 239) e, quando registrado, o compromisso de compra e venda foi erigido à seleta categoria de direito real pelo Código Civil de 2002 (art. 1.225, inciso VII), nada mais lógico do que considerá-lo também como “justo título” apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião. 2. A própria lei presume a boa-fé, em sendo reconhecido o justo título do possuidor, nos termos do que dispõe o art. 1.201, parágrafo único, do Código Civil de 2002: “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”. […] 8. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 941.464/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/4/2012, DJe de 29/6/2012.)

Outro entendimento relevante, cuja aplicação é resultado direito da atuação dos tribunais, decorre do Recurso Especial 668.131/PR, onde restou firmado o entendimento de que é possível a usucapião de imóvel objeto de herança por um dos herdeiros, desde que esse detenha a posse exclusiva do imóvel, com o efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei e sem que haja oposição dos demais herdeiros.

 

AÇÃO DE USUCAPIÃO. HERDEIRA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO PELO TRIBUNAL ACERCA DO CARÁTER PÚBLICO DO IMÓVEL OBJETO DE USUCAPIÃO QUE ENCONTRA-SE COM A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 2. Há negativa de prestação jurisdicional em decorrência de não ter o Tribunal de origem emitido juízo de valor acerca da natureza do bem imóvel que se pretende usucapir, mesmo tendo os recorrentes levantado a questão em sede de recurso de apelação e em embargos de declaração opostos ao acórdão. 3. Recurso especial a que se dá provimento para:

a). reconhecer a legitimidade dos recorrentes para proporem ação de usucapião relativamente ao imóvel descrito nos presentes autos, e b). anular parcialmente o acórdão recorrido, por violação ao artigo 535 do CPC, determinando o retorno dos autos para que aquela ilustre Corte aprecie a questão atinente ao caráter público do imóvel (REsp 668.131/PR, 4ª Turma, DJe 14/09/2010)

Os tribunais, ao proferirem suas decisões, contribuem para a consolidação da jurisprudência e estabelecem parâmetros que orientam futuros litígios. Dessa forma, a atuação dos tribunais é fundamental no processo de usucapião, garantindo que o instituto cumpra sua função social de regularização fundiária, ao mesmo tempo em que preserva os direitos legítimos dos proprietários.

 

A usucapião é o instituto mais poderoso para aquisição de bens previso no direito brasileiro mediante a consolidação do princípio ex facto jus oritur 1, através de sua consolidação resta superado o registro imobiliário prévio e até mesmo a sucessão hereditária.

 

Dessa forma é papel dos tribunais promover a análise criteriosa dos fatos e buscar equilíbrio e ponderação dos interesses. É através de decisões coerentes que os tribunais asseguram a justiça e a segurança jurídica, fortalecendo a confiança da sociedade no sistema legal.

 

1 do fato origina-se o direito


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